sexta-feira, abril 06, 2007

Neruda


Fui apresentada à Neruda na minha pré-adolescência. Chegou-me através dos livros, romances e poesias. E Neruda me apresentou ao amor. Amor em uma fase em que nada é concreto, tudo é imaginado. Uma fase em que o beijo ainda é ensaiado, ansiado e temido. Uma fase em que o amor ainda é platônico e que as paixões são vividas sozinhas, sem que o amado o saiba.
Com o tempo, como uma mulher infiel, troquei Neruda por outros. E ele foi ficando esquecido, guardado. Mas como todo amor verdadeiro ele estava sempre ali, escondido na alma.
Essa troca deve ter acontecido porque com a maturidade, com o crescimento, com o conhecimento de amores reais, de relações mais palpáveis, veio o reconhecimento de que esse sentimento a que Neruda tinha me apresentado não é tão fácil, tão glamuroso e tão perfeito.
Mas essa semana, o poeta voltou à minha vida. Voltou através das mãos, ou das palavras de Gabi. Encontrei nos seus textos um poema de Neruda. E esse poema me lembrou outros, aos quais li incessantemente ontem. E que me fizeram sonhar com o amor e acordar com aquela sensação boa de quem teve o corpo envolvido por abraços durante o sono.
Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha.
Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono,
entre o fogo e a água.
Talvez bem tarde nossos sonos se uniram na altura e no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento move,
embaixo como raízes vermelhas que se tocam.
Talvez teu sono se separou do meu e pelo mar escuro
me procurava como antes,
quando nem existias,
quando sem te enxergar naveguei a teu lado
e teus olhos buscavam o que agora - pão, vinho, amor e cólera - te dou,
cheias as mãos, porque tu és a taça que só esperava os dons da minha vida.
Dormi junto contigo a noite inteira,
enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos,
de repente desperto e no meio da sombra meu braço rodeava tua cintura.
Nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.
Dormi contigo, amor, despertei, e tua boca saída de teu sono me deu o sabor da terra,
de água-marinha, de algas, de tua íntima vida,
e recebi teu beijo molhado pela aurora
como se me chegasse do mar que nos rodeia.
Pablo Neruda

5 comentários:

Anônimo disse...

Tive duas surpresas agradáveis nesta tarde de feriado trabalhado. Uma foi teu recado carinhoso. A outra, teu texto brilhante e poético. Valeu.

Mônica disse...

Obrigada pelo incentivo de sempre Plínio. Bom trabalho pra ti nesse feriado.

Mônica disse...

Oi Mauro. Estava mesmo pensando quem seria Gildinha.
História reais, então? Todas???
Bj

Gabi disse...

Mô, em dias assim, de silêncio e saudade, é assistir ao "carteiro e o poeta" e chorar por saber que gente como Neruda existiu pra que possamos constatar que somos apenas humanos, enquanto ele, alto vive. E brilha.
A-DO-RO !!!

Mônica disse...

Gabi, eu também.